A dor psíquica e o luto
- Flora Dominguez
- 21 de set. de 2024
- 2 min de leitura
Como psicanalista, compreendo que a dor psíquica, sobretudo a que nasce da perda de um ente querido, é uma das experiências mais profundamente humanas. A dor de perder alguém que amamos não é simplesmente a ausência dessa pessoa em nossas vidas, mas a ruptura de um laço inconsciente, de uma ligação que, muitas vezes, organiza e sustenta o nosso próprio desejo e, portanto, a nossa existência psíquica.
Freud já nos ensinou que o sofrimento causado pela perda do ser amado vai além da realidade concreta do luto. O que perdemos, em essência, não é apenas o ser físico que amamos, mas a estrutura psíquica que sustentava nossos sentimentos mais profundos. A morte ou o afastamento de alguém que amamos cria uma espécie de vazio insuportável, que Freud descreveu como a perda do "objeto amado". Esse objeto, porém, não é apenas uma figura externa, mas uma construção interna, um elemento fundamental do nosso inconsciente.
Quando essa perda ocorre, o inconsciente entra em colapso, pois as pulsões que anteriormente estavam organizadas em torno desse laço amoroso se desestruturam. A dor psíquica é, portanto, o reflexo de um caos pulsional, um tumulto interior que a consciência tenta captar e, muitas vezes, falha em nomear. Lacan aprofundaria esse conceito ao falar do “objeto a”, o objeto que, no nosso inconsciente, é simultaneamente fonte de desejo e de angústia. A perda desse objeto, ou seja, do ser amado, provoca uma ferida insuportável, pois nos vemos diante da quebra de algo que transcendia a simples presença física.
Esse vazio deixado pelo desaparecimento do outro não é apenas uma ausência; é uma manifestação de um buraco no inconsciente, um buraco que atrai e consome toda a energia psíquica. A pessoa enlutada, então, se agarra a imagens, fantasias e memórias do amado perdido, tentando desesperadamente manter vivo o laço que foi rompido. É nesse movimento que o luto se desenrola, pois o processo de enlutamento implica, essencialmente, desinvestir progressivamente esse objeto perdido e realocar a energia psíquica.
Assim, a dor de perder é também a dor de se reconstruir. O trabalho psicanalítico com o enlutado consiste em ajudá-lo a enfrentar essa travessia, a dar um sentido simbólico ao vazio e, pouco a pouco, reconstruir os laços que sustentam o desejo de viver.
Texto escrito pela Psicanalista Flora Dominguez ❤️

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