O tempo, sozinho, não cura.
- Flora Dominguez
- 3 de fev.
- 2 min de leitura
Sempre me disseram que o tempo cura tudo. Desde criança, ouvi essa frase como uma promessa silenciosa de que, um dia, todas as dores desapareceriam, todas as feridas se fechariam, e tudo que um dia me machucou se tornaria apenas uma lembrança distante. Mas ninguém me avisou que o tempo, sozinho, não faz nada.
O tempo não apaga lembranças. Ele não ressignifica palavras cruéis que foram ditas. O tempo não tem mãos para recolher os cacos do que um dia foi inteiro, nem tem remédios para aliviar as dores invisíveis que carregamos dentro de nós. O tempo, por si só, é apenas uma sucessão de dias que passam. Um após o outro. Sempre. Mas sem ação, ele é apenas isso: o ponteiro do relógio se movendo, as estações mudando, as folhas caindo das árvores.
Eu precisei aprender, na prática, que o tempo só se torna cura quando escolhemos fazer algo com ele. Precisei recolher todas as palavras que me feriram e transformá-las em poesia. Peguei as lembranças dolorosas, aquelas que pareciam impossíveis de carregar, e as desmembrei em pequenos versos, os soltei ao vento como folhas secas de outono. E, ao fazer isso, percebi que a dor pode ser moldada, recriada, ressignificada.
Não foi um processo rápido. Houve dias em que meus dedos tremiam ao segurar a caneta, em que a dor parecia grande demais para caber em qualquer página. Mas eu continuei. Continuei escrevendo, costurando as feridas com palavras, encontrando sentido no que um dia me destruiu.
E então compreendi. A cura sempre esteve nas minhas mãos. Não no tempo que passava, mas no que eu fazia com ele. Estava no jeito como escolhi recontar minha história. Estava na decisão de não permitir que as dores do passado definissem o meu futuro.
Hoje, escrevo. Ainda com mãos trêmulas, mas agora mais firmes. Porque sei que cada palavra que coloco no papel é um ponto de sutura. Cada verso que nasce é um remédio silencioso para as feridas que um dia pensei que seriam eternas.
A verdade é que, ao recontar minha história, eu a transformei. O que antes eram memórias pesadas, agora são cicatrizes que me lembram da minha força. O que antes era apenas dor, agora é aprendizado.
O tempo, sozinho, não cura. Mas a forma como escolhemos viver cada segundo dele pode ser a chave para a nossa libertação.
Texto escrito pela Psicanalista Flora Dominguez

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