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A luta contra a codependência - A História de Carla

Há dois anos, Carla achou que havia enlouquecido, mas sua rotina diária era normal. — Bem, quase normal — diz Carla, uma professora primária de trinta e cinco anos, filha de pais bem-conceituados. Das seis às oito da manhã, ela trabalhava numa creche. Das oito e meia ao meio-dia e meia, lecionava numa escola primária. Das quatorze às dezoito horas, ensinava num programa de acompanhamento pós-escolar.


Para evitar que uma senhora que sofria da doença de Alzheimer fosse internada numa clínica, Carla mudou-se para a casa dela. Por isso, diariamente, ao meio-dia e meia, Carla corria para preparar o almoço da senhora. À noitinha, corria de novo para casa para fazer o jantar. Alguns anos antes, quando trabalhava na prisão estadual, Carla se tornara amiga de um prisioneiro, apaixonando-se depois por ele (um fenômeno peculiar a muitas pessoas que se identificam com a codependência). Depois de lavar os pratos do jantar, Carla corria para a prisão a fim de visitar o namorado. Às nove da noite, voltava correndo para casa para pôr a mulher na cama.


Em suas horas livres, Carla dedicava quarenta horas por mês como voluntária no centro de saúde mental do condado. E aos domingos ensinava catecismo na igreja. Além dessas atividades como voluntária, Carla ofereceu a uma família que conhecera na prisão para morar em sua casa sem pagar aluguel. A casa estava vazia desde que ela fora morar com a senhora doente. — Pensei que estivesse fazendo tudo certo — contou Carla. — Estava fazendo tudo que as pessoas esperavam que eu fizesse. Estava sendo boa para as pessoas.


Estava sendo uma boa cristã. Só não conseguia compreender por que todo mundo ficava com raiva de mim. Outra coisa que também não conseguia compreender era por que achava que estava ficando louca e desejava morrer. Os parentes da mulher com quem eu vivia ficaram com raiva de mim porque eu lhes disse como ela estava doente e, por conseguinte, como ela iria precisar dos cuidados deles.


Meu namorado estava com raiva de mim. Meus chefes estavam aborrecidos porque eu ficava doente e faltava ao trabalho. E a mulher que morava na minha casa ficou com raiva porque quando ela arranjou emprego eu lhe pedi que me pagasse aluguel. Prossegue Carla: — Eu não sabia como me sentia. Pelo que me lembro, não sentia alegria, tristeza, nada! Sabia que estava fisicamente doente.

Minhas pernas e meus pés inchavam tanto que em certos dias eu não conseguia nem andar. Mas não queria ir ao médico para não incomodá-lo. Imagine, eu não queria incomodar o médico! As coisas estavam ficando loucas, mas iam ficar mais loucas ainda. A mulher que vivia na casa de Carla ficou tão indignada por ter de pagar aluguel que acabou indo embora. Carla mudou-se de volta para sua casa. Em poucos dias o aquecedor enguiçou, o cano do esgoto estourou, o porão ficou alagado, os ratos roeram o duto de gás e a casa quase explodiu. Um vizinho, ao vender sua propriedade, usou o mapa do terreno errado e acabou vendendo a casa de Carla, e um faisão entrou voando pela janela, decapitou-se, e ficou a arrastar-se dentro de casa como uma galinha agonizante. — Assim como eu — lembra-se Carla.


Logo em seguida o namorado de Carla foi solto da prisão. Ele era alcoólico, e dentro de duas semanas voltou a beber e desapareceu da vida dela. — Fui até o fundo do poço. Era o auge de mais de trinta anos de fracasso — disse Carla. — Senti-me um fracasso total, profissional e pessoalmente. Antes, pesava cinquenta quilos, e agora estava com mais de cem. Já me casara e divorciara por duas vezes, ambas com homens profissionalmente bem-sucedidos que abusavam de mim física e verbalmente.


Acabou-se! Para mim era o fim! Eu não bebia há quinze anos, mas comecei a beber uma garrafa de vodca por dia. Eu queria morrer! Carla não morreu. Em vez disso, alguém lhe deu um livro sobre codependência. Depois de lê-lo, ela aprendeu que embora seu comportamento fosse um pouco maluco, ela não o era. Estava lutando contra a codependência. Descobriu também um programa de recuperação que poderia frequentar e que prometia mudar sua vida. Embora esteja tentando recuperar-se há apenas um ano e meio, Carla trabalha nisso com afinco. Frequenta regularmente as reuniões tanto do Al-Anon como dos Alcoólicos Anônimos. Vai a grupos de trabalho sobre codependência, vergonha e autoestima.


Trabalha também com um terapeuta experiente em problemas de recuperação de codependência. — Fiquei com raiva do terapeuta — lembra-se Carla. — Eu era uma profissional; ele era um profissional. Fui a ele esperando que ele fizesse seu trabalho: consertar-me. Ele disse que não podia fazer isso. Aprendi que não havia cura mágica. Aprendi que eu teria de fazer meu próprio trabalho de recuperação. Embora não tenha encontrado a cura mágica, Carla descreve as mudanças dos últimos dezoito meses de sua vida como “dramáticas”. — Tenho sentido um bocado de dor — continua Carla —, mas pelo menos estou sentindo algo.


Pela primeira vez na vida, estou sentindo emoções. Estou sentindo tristeza; estou sentindo alegria. Ainda continuo muito ocupada, mas não ando mais dando voltas como uma galinha com a cabeça decepada. Estou escolhendo as coisas que quero fazer, em vez de me comportar como se não tivesse escolha. Estou estabelecendo e alcançando objetivos. E isso me faz sentir muito bem. Carla ainda está lutando para desfazer o caos financeiro ligado à sua codependência. — Mas, pelo menos, estou lutando por alguma coisa.


Agora, tenho dinheiro no banco. Posso dar-me ao luxo de comer fora de vez em quando. Até já comecei a comprar roupas novas. E isso é novidade. Eu costumava comprar roupas em brechós e deliberadamente escolhia as piores, coisas que achava que ninguém mais poderia querer. Não queria levar nenhuma roupa que pudesse servir a pessoas pobres, pessoas que realmente precisavam delas. Carla também fez outros progressos. Está aprendendo a dizer não. Está aprendendo a defender a si mesma e a seus direitos, em vez de lutar somente pelos direitos de outros.


Está começando a olhar para dentro de si para descobrir as origens de sua codependência (chamamos a isso trabalho de família de origem). — Minha família não era má nem horrível — diz Carla. — Meus pais eram bons, inteligentes e trabalhadores. Não eram de modo algum viciados ou desregrados, embora meu pai abusasse de remédios por uns dois anos. Eles eram unidos. Nós nos divertíamos muito. Carla acrescenta: — Mas havia problemas. Aprendi a ser mártir. Sempre achei que tinha de ser perfeita. Nunca me sentia bem o bastante. Não sabia como lidar com meus sentimentos. Vivíamos numa pequena comunidade. Durante uma fase de minha infância, as preferências políticas de meus pais nos levaram a ser malvistos na cidade. Senti-me muito rejeitada. E aprendi a rejeitar a mim mesma. Comecei a acreditar que havia algo de errado comigo.


Além de olhar para trás, Carla começou a olhar ao seu redor. Agora, está notando como a codependência permeou sua vida: — Hoje tenho dois grupos de amigos: outros codependentes que se fazem de vítimas e as pessoas que me querem usar e tratar mal. Estou esforçando-me para mudar de amizades. Estou também reavaliando minha vida profissional. Minha codependência influenciou a escolha da minha carreira. A maioria de meus empregos exigia muito e dava pouco de volta. Claro, eu me dedicava demais a meus empregos, depois ficava com raiva porque me sentia usada. Agora, estou aprendendo a estabelecer limites no trabalho. Algumas pessoas estão ficando com raiva de mim porque estou mudando, mas não estou me sentindo mais tão usada. Estou aprendendo a parar de perguntar por que as pessoas estão fazendo isso comigo. Comecei a perguntar por que estou permitindo que eles façam isso comigo.


Os relacionamentos amorosos ainda são um ponto fraco na recuperação de Carla. — Ainda me sinto atraída pelos homens mais fracos, aqueles que precisam mais de mim — admite. — Mas pelo menos já comecei a usar sinais vermelhos. E isso é novidade. Costumava usar apenas o verde. Ela diz que ainda tem muito a fazer quanto à sua autoestima, mas já começou a aceitar a si mesma. — Estou trabalhando um bocado com frases de afirmações. Colei um monte delas no espelho do banheiro. Isso ajuda. Realmente ajuda. Às vezes, ainda permito que outras pessoas me controlem. Às vezes, não estou segura de quando devo procurar aprovação das pessoas ou o que é um comportamento codependente.


Nem sempre sei distinguir quando devo dar e quando estou tomando conta. E, às vezes, fico amedrontada. Prossegue Carla: — Mas a melhor coisa que me aconteceu é que comecei a sentir paz. Pela primeira vez na vida, tenho vontade de viver, e agora acredito que há um propósito para minha vida. Meu relacionamento com meu Poder Superior, Deus, melhorou.


Ainda não tenho o controle da minha vida, mas ela está ficando controlável porque estou trabalhando em meu programa. Sei que Alguém se importa comigo e me ajuda a cuidar de mim mesma. E estou orgulhosa pela minha recuperação. Recentemente, quando virava as páginas de um álbum de fotografias, Carla deparou-se com uma das poucas fotos suas quando criança. Ela raramente permitia ser fotografada, porque odiava sua aparência. — Fiquei surpresa quando vi essa foto. Eu não era feia. Não havia nada de terrivelmente errado comigo, como sempre achei que houvesse. É triste descobrir que passei tantos anos de minha vida achando que havia. Há pouco tempo, quando entrou no banheiro dos estudantes da escola onde trabalha, Carla encontrou uma menina da quarta série encolhida em um canto, soluçando.


A menina, bonita, de cabelos longos e escuros, havia tentado quebrar o espelho do banheiro. Carla perguntou-lhe o que estava errado. A menina disse que odiava a si mesma, que odiava sua aparência e que queria morrer. Carla gentilmente confortou-a, levou-a para seu escritório e depois indicou-a à psiquiatra da escola. — Chorei por ela e chorei por mim. Mas as lágrimas não eram só de tristeza — diz Carla. — Chorei porque me senti aliviada. Pelo menos nós duas temos esperança.


Texto extraído do livro: Para além da codependência - Autora Melody Beattie


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©2022 por Flora Dominguez

e Celso Araújo

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