Como viver um grande amor nos dias de hoje?
- Flora Dominguez
- 13 de abr.
- 4 min de leitura
Vivemos tempos apressados. O amor, que outrora se escrevia em cartas, agora se envia por mensagens curtas, cheias de emojis e silêncios. E nessa pressa, perdemos algo sagrado: o tempo da presença, o tempo de escutar, de olhar nos olhos sem a urgência de olhar para o celular. Como viver um grande amor nos dias de hoje? Essa é a pergunta que atravessa gerações, mas que se torna ainda mais urgente em um mundo onde tudo parece descartável, até os sentimentos.
Freud já nos alertava que amar é inevitavelmente sofrer. Amar é abrir espaço para a falta, para a incompletude do outro dentro de nós. Mas também é, paradoxalmente, a nossa mais íntima forma de transcendência. Já Jung diria que amar verdadeiramente é um processo de individuação: não se trata de se fundir ao outro, mas de, ao amar, nos tornarmos mais inteiros, mais conscientes de quem somos. Um grande amor não nos engole, ele nos revela.
Erich Fromm, em A arte de amar, nos lembra que amar é uma atitude, uma escolha diária. Não é um acaso romântico, mas uma construção que exige maturidade, disciplina, paciência e coragem. O amor, segundo ele, não é o sentimento que nos invade, mas a prática constante de cuidar, respeitar, conhecer e admirar o outro, e também a si mesmo.
Eis onde muitos tropeçam nos dias de hoje: confundimos paixão com amor, intensidade com profundidade. Como disse Zygmunt Bauman, vivemos o “amor líquido”, aquele que escorre entre os dedos, que se assusta com o compromisso e com a vulnerabilidade. “Não quero me apegar”, dizem muitos, como se o apego fosse um erro, e não uma necessidade humana de conexão. Mas há um tipo de apego que não é prisão, é laço. Laço que ampara, não que sufoca.
Clarice Lispector escreveria que amar é "viver o outro sem perder a si". Um amor grande não nos diminui, não nos molda ao gosto do outro, ele nos expande. Ele nos dá coragem para sermos quem somos, e não o que esperam que sejamos. E essa talvez seja uma das maiores dificuldades: ser autêntico dentro do amor. Não romantizar demais. Não projetar. Não esperar que o outro preencha nossos vazios porque, como diria Lacan, “amar é dar o que não se tem a quem não o é”.
Ana Suy, com sua escrita suave e precisa, diria que um grande amor é aquele onde a intimidade não anula a liberdade. É o amor que acolhe as contradições, que não desiste quando o encanto do início cede espaço à realidade do cotidiano. É o amor que não exige perfeição, apenas presença. Um amor adulto, mas não cínico. Sensível, mas não dependente. Um amor que sabe que vai doer às vezes, mas que não deixa de valer a pena.
Bell Hooks nos ensina que o amor é um ato de justiça. Que amar é respeitar os limites do outro, é escutar sua história, suas dores, seus silêncios. Que o amor verdadeiro não machuca, não desrespeita, não anula. E, nos dias de hoje, talvez isso seja o mais revolucionário: amar com gentileza. Amar com ética. Amar com responsabilidade afetiva.
Mas como viver tudo isso em um mundo que banaliza os vínculos? Como sustentar um amor que não se esgota no prazer instantâneo, nas promessas rasas, nas conexões rápidas e frias? A resposta talvez esteja em um outro tempo. Um tempo mais lento. Um tempo de alma.
Nietzsche dizia que “há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.” Amar é um salto no escuro, sim. Mas também é escolha lúcida de permanecer. E isso exige coragem. Coragem de ser visto. Coragem de ver o outro para além do ideal. Coragem de amar de novo, mesmo com as feridas. Como diz Rainer Maria Rilke, “amar é uma tarefa para os fortes”. E ainda assim, é também um presente para os sensíveis.
No fim, viver um grande amor hoje talvez não seja tão diferente de sempre. O cenário muda os valores, os costumes, as tecnologias. Mas a alma humana continua buscando o mesmo: um lugar onde possa repousar com segurança, onde possa ser amada sem precisar se esconder. Um amor onde a gente possa tirar a armadura e respirar em paz.
Não precisamos de amores perfeitos. Precisamos de amores verdadeiros. Amores que não tenham medo do conflito, que saibam pedir perdão, que saibam rir juntos, atravessar tempestades e, ainda assim, escolher a mão do outro na manhã seguinte.
Como viver um grande amor nos dias de hoje?
Com honestidade. Com presença. Com escuta. Com verdade. Com entrega. Com limites. Com liberdade. Com maturidade emocional. E, acima de tudo, com a consciência de que amar é um verbo e verbos exigem ação. Exigem repetição. Exigem prática.
Amar, nos dias de hoje, é o mais sagrado dos atos subversivos. E talvez, por isso mesmo, seja o mais necessário.
Texto escrito pela Psicanalista Clínica Flora Dominguez, com ecos de Freud,Erich Fromm, Jung, Bauman, Clarice Lispector, Lacan, Ana Suy, Bell Hooks, Nietzsche, Rilke e do amor que ainda acredita em si mesma.

Commentaires