Quando a Mãe Morre em Vida: A Herança Emocional de uma Presença Ausente
- Flora Dominguez
- 31 de mar.
- 3 min de leitura
Introdução:
Nem sempre as feridas da infância vêm de palavras duras ou castigos explícitos. Às vezes, elas surgem do silêncio, da ausência, do olhar vazio de uma mãe que já não está ali mesmo estando. Em Herança Emocional, a psicanalista Galit Atlas nos apresenta um conceito poderoso criado por André Green: o da “mãe morta”. Um termo forte, necessário e profundamente transformador para quem deseja compreender o que carrega dentro de si.
O que é uma “mãe morta”?
O psicanalista francês André Green cunhou essa expressão para descrever mães emocionalmente indisponíveis. Mães que, muitas vezes por depressão ou traumas não elaborados, tornam-se distantes, frias, inacessíveis. Elas estão vivas fisicamente, mas mortas emocionalmente. E essa ausência viva deixa marcas profundas.
Green explica que, em geral, essa "morte" acontece após uma grande perda ou sofrimento. E quem paga o preço é o filho, que passa a vida tentando "trazer essa mãe de volta". Como se, com amor suficiente, ele pudesse curá-la. Como se a conexão perdida pudesse ser restaurada pelo esforço da criança.
A missão impossível de salvar quem nos falhou
Quando a mãe se ausenta emocionalmente, o filho não entende o que está acontecendo. Ele sente a perda, mas não tem nome para ela. E então começa uma jornada silenciosa de tentativas: se comportar perfeitamente, se tornar invisível, ser o mais afetuoso possível... qualquer coisa para fazer com que a mãe o veja, o sinta, o ame de verdade.
É assim que muitos de nós passamos a vida tentando resgatar aquilo que nunca tivemos. Buscamos no amor romântico, nas amizades ou no trabalho, a confirmação de que somos dignos de atenção. Muitas vezes, nos colocamos em relacionamentos com pessoas emocionalmente indisponíveis, repetindo o mesmo padrão primitivo: "se eu me esforçar o suficiente, serei amado."
A herança que ninguém vê, mas que se sente
A herança emocional que recebemos não está escrita em testamentos. Ela se manifesta nos nossos medos, nos nossos silêncios, na forma como nos relacionamos com o mundo. A criança que cresceu com uma “mãe morta” carrega uma ferida de abandono que não cicatriza sozinha. E essa ferida molda escolhas, desejos, vínculos.
Galit Atlas nos lembra que nossas dores não são apenas nossas são heranças. E se não as reconhecermos, corremos o risco de passá-las adiante, como quem entrega um presente embrulhado em dor.
A libertação começa com o reconhecimento
Reconhecer que nossa mãe emocionalmente não esteve presente não é um ataque a ela. É um ato de amor-próprio. É parar de viver tentando ressuscitar o que morreu e, finalmente, cuidar daquilo que vive: nós mesmos.
Esse processo é doloroso, mas libertador. E muitas vezes, precisa de ajuda profissional. A psicanálise, por exemplo, é um caminho para olhar para a nossa história com mais clareza e compaixão.
Conclusão:
Nem sempre a ausência é visível. Às vezes, ela mora no olhar perdido de quem deveria cuidar de nós. Mas existe um caminho para quebrar esse ciclo. E ele começa quando paramos de tentar salvar quem nos feriu e começamos a nos salvar.
Se você sentiu que esse texto tocou algo profundo em você, talvez seja hora de escutar essa dor com mais cuidado. Porque heranças emocionais podem ser transformadas. E é possível, sim, escrever uma nova história a partir do momento em que decidimos olhar para a antiga com verdade.
Artigo escrito pela Psicanalista Flora Dominguez
Referência:
ATLAS, Galit. Herança Emocional: Uma terapeuta, seus pacientes e o legado do trauma. São Paulo: Vestígio, 2022.

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