top of page
Post: Blog2_Post

“Ostra feliz não faz pérola”

  • Foto do escritor: Flora Dominguez
    Flora Dominguez
  • 28 de mai.
  • 2 min de leitura

Ostra feliz não faz pérola, sempre que leio essa frase de Rubem Alves, sinto como se ela fosse um sussurro vindo das profundezas, não das águas do mar, mas das águas da alma. A pérola, esse tesouro escondido, nasce do incômodo. Daquilo que feriu, que invadiu, que rompeu a tranquilidade da concha. Não é produto de uma vida lisa, plana, sem arestas. A beleza que encanta é forjada na intimidade do desconforto.

E então penso: quantas vezes amaldiçoamos nossas feridas, desejando que nunca tivessem existido? Quantas vezes pedimos aos céus para sermos felizes o tempo todo, como se a felicidade fosse o único terreno fértil da alma? Esquecemos que, assim como a ostra, nós também geramos preciosidades a partir do que nos atravessa. O sofrimento, quando acolhido com amorosidade e presença, se transmuta em sabedoria. A dor, quando escutada e respeitada, se transforma em caminho.


A ostra não escolhe o grão de areia que a invade. Não decide o tempo que levará até que o incômodo deixe de ser ferida e se transforme em joia. Ela simplesmente faz o que sabe: envolve, protege, transforma. Sem pressa, sem resistência. Apenas sendo quem é, obediente ao mistério silencioso da vida.

E nós? Muitas vezes nos apressamos em arrancar o grão, fugimos do desconforto, negamos o incômodo. Queremos uma existência sem cortes, sem fissuras, sem lascas. Mas a alma humana, como a ostra, também precisa desse movimento: acolher o que dói, envolver com delicadeza o que machuca, permitir-se viver o tempo necessário para que, no íntimo, algo precioso seja criado.


O que nos salva não é a ausência de dor, mas o que fazemos com ela. Não é o mar calmo que faz marinheiros experientes. Nem é a felicidade permanente que gera profundidade, mas sim os encontros com aquilo que nos tira o chão, que nos move da superficialidade para o mistério. Cada lágrima que derramamos, cada silêncio que suportamos, cada noite escura da alma que atravessamos tudo isso, um dia, será uma pérola. E não qualquer pérola, mas aquela que carrega o mapa da nossa travessia.


Hoje, olhando para minhas próprias feridas, agradeço a elas. Não porque gostei de ter sofrido, mas porque sei que sem elas eu não teria me tornado quem sou. Sei que não teria aprendido a linguagem do cuidado, da paciência, da entrega. A pérola que sou hoje só existe porque, um dia, algo me feriu.

Então, se há algo doendo agora, se há um grão de areia a incomodar sua alma, respire. Não tenha pressa. O tempo da transformação não é o tempo do relógio, é o tempo da alma. E, quando menos esperar, perceberá: ali onde mais doeu, nasceu sua joia mais rara.

Seja como a ostra: não lute contra o que a vida trouxe. Apenas transforme.


Texto escrito pela Psicanalista Clinica Flora Dominguez

ree

  • Facebook
  • Instagram

©2022 por Flora Dominguez

e Celso Araújo

bottom of page